terça-feira, 7 de junho de 2016

O que não sou

Sou o silêncio
Sou, em torno dos movimentos, o ponto parado
O ponto, porém, que não é encontrado
A referência não achada
Sou a sombra de um objeto na escuridão
Sou o reflexo desse objeto num espelho inexistente
Sou o pesadelo e sonho das pessoas acordadas
Sou a ação das pessoas mortas

Sou tudo aquilo que os olhos não veem
Os ouvidos não ouvem

Estou ao lado de tudo
Porém, nunca no extremo
Estou acima de tudo
Nunca no ponto mais alto
E abaixo de tudo
Mas nunca no fundo

Sou a luz no fim do túnel
Onde não há túnel


quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Outro dia

A solidão no meio da madrugada é deprimente
Tomo remédios para dormir mais não durmo

Meus sonhos foram sendo destruídos um por um
Minhas paixões desmistificadas e tornadas pó

Meu espírito vaga como um zumbi
Todo quebrado, em pedaços, arrastando-se

O mundo
Externamente está condenado
Internamente julgado
Culpado

E eu ainda nem nasci

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

O voo do caranguejo

Da lama ao céu
do céu a outras dimensões

nem todas reais
porém mais reais que a realidade a partir que as crio

O caranguejo alado

Que sobrevive a tudo

Não morri afogado
Não fui cozido
Não fui pisoteado por Hércules
Não fui uma das vítimas da chacina contra 19 pessoas
Não morri na guerra
e não morri em paz

Flutuei para além do espaço-tempo
Encontrei outros eus
Todos distorcidos

Mas nenhum mais do que eu mesmo

Depois de muitas destruições
Guerras psíquicas e físicas

Saio do meio da lama
Com vários corpos podres ao meu redor
Alguns ainda estão vivos
e imploram para morrer

Vejo o fim do mundo

E o fim do mundo dentro de mim
Acontece

Minhas asas não servem para voar
Ou servem, mas nunca aprendi

Mesmo assim o vento me leva
Até depois do fim de tudo

Até o nada

sou decomposto
mas durante a agonia de morrer lentamente

Vejo alguém
Suplico pela morte

Mas tive azar
Ele também tinha asas

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Redemoinho

Você é um paradoxo
Prestes a acontecer

Gerando furacões que espalham tudo
Ao mesmo tempo em que atraem

Seu suor esquenta e congela

seu olhar faz voar e enterra

Um instante vira um milênio
E um milênio vira um instante

 E quando tudo pára
Você volta

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Olhar nublado

Quando há nuvens
Acinzentando o céu

O sol não morreu
Ele segue imperial

Mas naquele dia não, estava escondido

E o dia estava cinza
Não importava a realeza do sol naquele dia
Pois as nuvens estavam lá também

Foi assim quando eu te vi
Seus olhos estavam prestando atenção em outra coisa

Quando olhavam pra mim, era rápido

Eu olhava para você mais rápido
Porém, sempre repetia os milésimos de segundo

Via-a através das nuvens
Além da timidez, além da sua desatenção

Todo aquele sol atrás de seus olhos
Toda aquela implosão nuclear de sua alma
Aquela luz, de seus olhos,  ardendo meus olhos

Mas era inevitável
Eu fechava, me virava para não me cegar

Mas voltava a te ver
Por mais alguns milésimos

Qualquer problema, sabia que podia contar com as nuvens
E fingir que o dia estava nublado

terça-feira, 2 de junho de 2015

Sob o sol, sob a sombra II

Sob o sol
Sobre a sombra

Sob a sombra
Sobra a sol

Sob a sobra
Sobra a sombra

Sobe à sombra
Some o sol

Sobe ao sol
Some a sombra

Some a sombra
Sobra a noite

Some o sol


segunda-feira, 11 de maio de 2015

Banho de vento

Vento
Vem bater na minha porta

Venha me banhar

Sentir seu movimento

Vento, me leve
Para eu voar

Como uma folha de outono

Vire um furacão
Vamos rodar

Varrer tudo
Limpar tudo

Vente
Vente mais

Nada poupe


domingo, 10 de maio de 2015

Veneno estragado

São feitas toneladas por dia
Perfeitas

Agrotóxicos, venenos para ratos, pesticidas
Pílulas calmantes, cigarros, cocaína
Cafeína, salsicha, água mineral

Veneno dá lucro

E sou os pior tipo de veneno

O veneno estragado

Nada mais defeituoso que algo feito para ser ruim não dar certo

Na fábrica de venenos, os bons venenos estão em alta
Quanto pior, melhor

Ser um pote de veneno defeituoso faz eu ir
Para o lixo

Onde estou

No lixo
Da fábrica de venenos

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Plumas de asas

Liberdade

A bela palavra
A bela utopia
O belo caminho

Por ela, queremos ser presos
Por ela, queremos ser escravos
Por ela, queremos ser mandatos

Ela, como deuses, é a bela razão pela qual se comete as piores coisas
Para, no fim, se conseguir exatamente o oposto

Ela justifica
Ela é a ideia
Ela é a ideologia

Mas nunca pode ser real

Nunca deixaríamos ela sair da imaginação

Não viveríamos com ela materializada
O que precisamos é dela abstrata

Somos hipocondríacos que precisam da pílula de trigo para curar doenças falsas

Precisamos acreditar que ela é

A possibilidade de escolha
A sensação de segurança
A felicidade pelo acaso ou pelo destino
O acaso
E também no destino
A destruição pelo acaso
A criação pelo destino
Um fluxo ordinal hierárquico
Uma rede conectada aleatória
Boa

Nossos genes
Nossa programação
Nossa cultura
Nossa escolha por caminhos certos ou errados
Certa
Errada

Ela é tudo isso

Não de verdade, mas precisa ser

Pelo menos para nós

Para evitar qualquer deslocamento
Para não enlouquecer

Essa abstração nos salva
Ela é a verdadeira salvação

Acreditar nela é essencial para a ordem
E também para o caos

Não é mais que céus e infernos melhorados
Sensação de que quem morre descansa
De que quem é mau vai ser punido
De quem é bom vai ser abençoado

Como ela é justa
E como justiça, cega
Como o amor

E por isso a amamos

Patologicamente

terça-feira, 21 de abril de 2015

Um corpo em repouso segue em repouso... ou não

Sou um legalista
Cumpro todas as leis de Newton
Não ando em lugares altos
Uso oxigênio para respirar
Bebo água para me hidratar

Faço exercícios
Como coisas saudáveis
Faço exercícios
Como pessoas saudáveis

Evito discussões, faço meditação

Medito, tenho uma vida normal

Que é plena

Já eu sou legista
Vendo órgãos no mercado negro
Sou necrófilo
Injeto drogas nos corpos
Sou mais frio que o IML

Acabo com suas reputações meigas quando vivas
Acabo com toda a carne que restou

Quando trabalho em lugares pacatos
Como manda a leis de oferta e procura
Eu produzo o material

Os cristãos
Os mendigos
Os pervertidos
A vítima
O predador

São meus exercícios
Como pessoas pouco sãs
Como pessoas saudáveis

Todos têm sua vida destruída depois da morte

Não faz sentido para eles, mas é minha meditação

Maldita, tenho uma vida anormal e imperfeita

Mas é plena

sábado, 11 de abril de 2015

Retrato de um tratado

Todos eram perfeitos
Antes da invenção da perfeição

Tudo era belo
Antes da criação da feiura

Tudo existia
Antes da invenção do nada

O Rio

O devido tempo
Será cobrado

No rio parado
No mar seco
Na noite ensolarada
Na caverna aberta

Aposto no oposto
Para cobrar
do devido tempo

Que ele siga seu curso
como um rio

Para cobrar do mar a nascente 

Para cobrar o que perdi
na aposta
Para receber o que ganhei
no oposto

Para trocar o que escolhi 
No tempo

Devido

terça-feira, 7 de abril de 2015

A Sombra da Sobra

Arrancaram-se os ossos
A carne
Os olhos
Todas as vísceras

Queimaram tudo
Enterraram as cinzas na lama

Invocaram-se magias
Destroçaram-lhe o espírito
Sem inferno, céu ou purgatório

O Amontoado de plasmas sem rumo
Acabou sendo lacrado

Queimaram-lhe a casa
Os escritos
Mataram seus entes

Matou-se quem fez tudo isso
E quem matou quem havia matado

Mas no fim, havia sobrado
Apesar de tudo,
Sobrou

E seguiu assombrando.

terça-feira, 24 de março de 2015

Poça de lama

Isso
Nunca começou
Nunca terminou

Nunca vai parar
Vai seguir sua trajetória

Não vai parar nunca
Quando chegar o momento
Vai voltar
Mais uma vez

E continuar
Sem parar

Sem algo que alcance
Sem algo à frente que barre

Sem parar

Vai continuar
Não de onde parou

Porque nunca parou
Nunca começou

Sempre existiu e
sempre vai existir

E vai continuar

sem parar

nada vai impedir
como nunca impediu

Porque nada veio antes para tanto
E nada vai existir depois

Sempre houve e sempre haverá

Antes de tudo e depois de nada

Nunca para

O remorso do almoço infinito

O que você faz aqui?

Aquele dia
Aquilo que houve
Foi coisa de momento

O que você quer?

Que eu peça perdão? Que eu me me responsabilize

Que eu visite o fruto do que fiz com você?

E você, veio fazer o que aqui? Deixei a porta trancada.

Aquela hora
Eu não tinha prestado atenção
Bebi demais
Nem sei seu nome
Aconteceu de repente e quando acabou
Eu fugi

Você queria que eu mandasse flores?

Você também? Por quê?
Eu não tive escolha, era uma ou outra

E você?
Eu estava só fazendo o que me pediram.

Por que estão aqui? O que vieram cobrar?

Eu estou almoçando
É um momento sagrado
Não convidei ninguém

Querem que eu me ajoelhe? Peça perdão?
Isso não vai mudar nada, não vai voltar o tempo

Querem que eu me arrependa. Não.
Fiz e não me arrependo
E ainda que assim fosse
Que diferença faria?

Eu não pedi para virem aqui
Eu não quero vocês aqui

Estou almoçando
Podem respeitar esse momento?

E voltar de onde vieram?
Ninguém precisa saber
E nem vai

Quem vai acreditar?

Não vão destruir minha vida
Só por que vocês não mais a têm

Seguirei jantando
Fiquem assistindo

Não sairei tão cedo daqui

A pinta

Não sei quem você é
De onde é
O que faz ou fez
Ou deixou de fazer

Não sei quem ama
Quem odeia

Não sei se me ama
Se me odeia
Se me ignora

Não sei se sabe da minha existência

Eu também não sei quase nada sobre você

Só estou vendo
a sua pinta
perto da sua boca
na sua bochecha

Uma pinta com campo gravitacional
De mil Júpiteres

Eu não consigo
Parar de olhar

A sua pinta

No seu rosto

Fogo é amor

O fogo preto
Saindo dos túmulos
Com fumaças azuladas

A fumaça branca de um fogo cinza

Fogo prateado
Fogo dourado
Fogo bronzeado
Fogo da brasa

Fogo vermelho
Jorrando como sangue
Explodindo

Expelido chorume amarelo
Com uma espessura verde

O fogo roxo
Com cheiro rosa
Que atrai e envenena

O fogo transparente
Matando lentamente
fazendo o corpo doente
mostrar o que sente

Fogo marrom
aterrando tudo
Com gosto de terra de cemitério

O fogo do esqueiro
Deixando o pulmão preto
Expelir a fumaça branca

O fogo corrói tudo
Derrete
Carboniza
Mata e reinventa
Transforma branco em preto
E preto em branco

Faz experiências bizarras
Dentro de nós

O fogo que não se apaga nunca
Que nunca morreu
Nem morrerá

Uma chama eterna
Um brilho sem fim
Destruindo tudo

Para que tudo se reinicie

A redenção é pelo fogo

Por isso vamos todos queimar
Vamos cair na lava e
Sermos fritos
Cozidos
Assados
Defumados
Ainda vivos

Vamos arder
Vamos à dor

Fogo é amor

sexta-feira, 20 de março de 2015

As saídas do cemitério

Do céu e para o inferno

De um calor corrosivo do centro da terra
Para o calor do sol

Da cegueira intensa da escuridão
Para a cegueira intensa da luz solar

Das torturas e ressentimentos
Para as inquisições morais

Do tridente, rabo e chifres
Para o cajado, a barba e a onipresença

O poder de vida e morte
O poder sobre tudo

Entre deuses e demônios

Fico apenas vagando num cemitério gelado, com seu frescor pálido
Com seus ventos fúnebres

A escolha é difícil no purgatório

Ninguém por aqui quer ser eternamente torturado no inferno
Nem no céu, no qual qualquer erro te leva direto para longe

Como não somos plenamente bons, nem conseguiremos, não temos céus
Como não somos plenamente maus, nem conseguiremos, não teremos inferno

Cabe a cova, nosso lugar
Desistimos de procurar um destino

E descansamos